domingo, 25 de novembro de 2007

Martins e Vaquinhas


A morte do soldado Sérgio Pedrosa, em Cabul, no Afeganistão, trouxe-me á memoria outras mortes, outros cenários de guerra, tanto ou mais sangrentos que este, outros tempos, como sói dizer-se.

Refiro-me ás mortes dos meus camaradas, o Cabo Martins e do soldado Vaquinhas.

Mortes, se calhar mais inocentes do que esta…pois, nem o cabo Martins, nem o Vaquinhas, fizeram o que quer que fosse para que a sua morte ocorresse na flor da idade algures numa mata da Guiné.
Enquanto o soldado Sérgio Pedrosa, segundo parece, era um profissional da guerra…á família enlutada os meus sentidos e sinceros votos de pesar.

A ideia que tenho do Martins, é que era um homezarão, que imigrado em França não quis ter telhados de vidro em relação ao regime, apresentando-se para prestar o serviço militar e a partir dai, tentar fazer a uma vida dita normal junto da família, se em ditadura de pode ter uma vida normal.

Não o conseguiu. Um erro seu…na mudança da bala real para bala de dilagrama , em pleno campo de combate, ceifou-lhe a vida de imediato, enviando para o hospital um bom par de outros soldados, entre eles o Vaquinhas que viria a morrer tempos depois.
Vaquinhas que era de meia estatura, camponês, de poucas falas, natural de São Mansos. Alentejano típico, arrancado á mansidão das suas origens.

A diferença entre estas três mortes, é que a do Sérgio tem cobertura politica deveras diferente das do Martins e Vaquinhas, enquanto os últimos apenas os mais próximos e camaradas souberam das suas mortes, a família do Sérgio, se calhar e bem, teve a visita do 1º ministro com toda a carga de compromissos e ajudas que dai possam advir.

Pode parecer que estou a menosprezar a morte do Sérgio e, a enaltecer as outras duas, nada disso. O que pretendo fazer é a comparação entre duas situações fatais, mas de contornos completamente diferentes, até nos apoios.
A morte do Sérgio tem peso politico…é incomoda para os políticos…é injusta em tempo de paz, até porque segundo os políticos, embora eu discorde, morreu a defender a PAZ. Discordo, porque não sei como se defende a paz, fazendo a Guerra

O Martins e o Vaquinhas, eram simplesmente mais dois a servir de carne para canhão de um regime absolutista que parecendo acabado…mas isso é outra conversa.


Aos três, onde quer que estejam, repousem em PAZ.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Medo

Do medo
Fui companheiro
De fantasmas
Camarada.
De bebedeiras
Parceiro
Amante de madrugadas
Com a morte
Convivi
Em sangue jovem
Toquei
Dramas humano
Senti
Moribundos
Consolei
Foi o Martins
O Vaquinhas
Podia ser
O Machado
O Conceição
O Manata
A morrer
Algures no mato
Jovem simples
Transformados
Rostos gaiatos
Tristonhos
Corpos ágeis
Mutilados
Loucos, pedintes medonhos



Leandro
Set/98

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O Fialho


O Fialho, a exemplo de outros, era um moço humilde oriundo do mais profundo, pobre e rural Alentejo, arrancado á família no pico da sua juventude, sem que a esta fosse dada qualquer importância.
Recruta feita em Beja, onde o pai, também ele ai recruta, por altura da independência da Índia.

Especialidade de telegrafista feita no Regimento de Transmissões no Porto, Regimento onde iam parar a maior parte dos protegidos do sistema, filho do Srº fulano de tal , ou tipo Humberto Coelho, atleta de eleição, que passando por lá, não deixou de jogar no Benfica durante esse período.

Ao contrário o Fialho, nem meteu os pés no chão, terminou a especialidade, sendo imediatamente mobilizado, sem antes ser promovido a 1º cabo, sem nunca ter passado por qualquer explicação sobre a sua nova patente…
Como foi imediatamente mobilizado, o 1º classificado do Curso. O que indiciava a falta de gente minimamente preparada.

Fialho de formação tosca, 4 ª classe, escolaridade obrigatória á altura, que como é obvio era curto para perceber quanto injusta era aquela guerra.


Este era o soldado tipo, baixa escolaridade, oriundo das zonas rurais filho de pais iletrados.
Imediatamente a seguir surgiam os Furriéis que tendo um pouco mais de escolaridade, muitos com apenas o 2º ano, hoje, 6º ano, era o suficiente para morrer.

Se escrevo estas linhas, é para que se perceba que estes soldados nada tinham a ver com os que hoje vão para as mais variadas frentes, de sua livre vontade, bem preparados, bem pagos, verdadeiros profissionais da guerra.
Ao invés de nós, muita fominha passamos.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Revolta

Ao politico e letrado
Aqui deixo esta mensagem
Era animal amestrado
No meio da camuflagem

Quando estava em gestação
A meus pais não ajudaram
Cresci e fui então
Que p´ra guerra me enviaram

Ainda de tenra idade
P´ra terras dalém parti,
É certo, fiz amizades,
Mas sem saber combati

Angola era meu destino
Mas á Guine fui parar
Com idade de menino
Ensinaram-me a matar

Despacharam-me p´ra Mansoa
Com a arma á bandoleira,
Um canhão a voz entoa
Era á boa maneira.

Mas deste susto refeito
P´ra Braia fui enviado
Como toupeira sem jeito
Sob o chão fui colocado

Como era Telegrafista
No posto rádio fiquei
A guerra ficou á vista
Sem saber então chorei

Muitos meses se passaram
Quinze mais concretamente
Em Abril nos libertaram
Dessa servidão pungente

No ano da liberdade
Em Setembro dia um
Passei á disponibilidade
Dei a farda, fiquei nu

Na camisa que vesti
Foice e martelo se via
Nem sei bem o que senti
Gritei á Democracia

Algum tempo já passou
Mas ao jovem quero dizer
Sem saber porque lutou
É muito triste morrer.


leandro
Maio/84

domingo, 4 de novembro de 2007

Companhia



A C.Caç 4641, foi formada no Regimento de Infantaria (RI) 16 em Évora, com destino a Angola, como indica o próprio crachá.
Região Militar de Angola, para a zona de Vila Salazar…

Os militares que a compunham, eram oriundos essencialmente do Regimento de Infantaria (RI) 3 de Beja com origens no Alentejo e Algarve, tendo recebido á presa, um pelotão vindo dum Regimento de Infantaria da Amadora.
Estes, oriundos do centro e norte do Pais.
Á presa porque a revolta do 3 Gs…Gadamael, Guilege e Guidage, em princípios de 1973, levou a que á ultima da hora, fosse-mos desviado para a Guine. Só não fomos enviados para o que de pior se passou em toda a Guiné, porque e, se calhar, o nosso Comandante usou toda a sua diplomacia em defensa dos seu homens. Ficar-mos aquartelados em Mansoa e, apesar das mortes na nossa companhia, foi o melhor que nos podia ter acontecido…os que foram aqui colocados, entre eles o Lemos antigo futebolista do F.C.Porto, que em tempos idos meteu 4 golos ao Benfica foi um dos que passou pelo calvário dum destes aquartelamentos.

Quando acima falo em desvio, eu por exemplo, estive sem dar noticias á família, pelo menos 15 dias.
Nunca comentamos este assunto entre nós nos nossos almoços anuais, mas penso que aos outros deve ter acontecido o mesmo.

Digo revolta dos 3 Gs, porque analisando á distancia o que pesou a perda desta zona na guerra, quase que me atrevo dizer que o 25 de Abril se deve…em muito a esta situação.

A perda, a dureza dos ataques nesta zona nomeadamente neste 3 Aquartelamentos, mais a chegada dos aviões MIG ao cenário de guerra, colocou em risco a vida das medias e altas patentes militares, provocando que oficiais como Otelo, Carlos Fabião e outros a servir naquela província, se envolvessem no movimento do 25 de Abril

Esta minha leitura pode ser abusiva…mas é mais uma.
Outras há, que criadas no sabor e calor do sofá, tem o valor que tem